domingo, 31 de agosto de 2008

Para que não esqueçamos:

Estas foram as bombas de Blair
por John Pilger

Em toda a cobertura dos atentados de Londres da semana passada, há uma verdade básica que está a lutar por ser ouvida. É a seguinte: ninguém duvida da atroz desumanidade daqueles que colocaram as bombas, mas ninguém deveria ter dúvida também de que isto tem estado a ser preparado desde o dia em que Tony Blair juntou-se a George Bush na sua sangrenta invasão e ocupação do Iraque. Elas são as "bombas de Blair", e não se pode permitir-lhe evadir-se da sua culpabilidade com mais um untuoso discurso sobre "o nosso modo de vida", o qual a sua própria violência opressora em outros países desnudou. Na verdade, a única advertência confiável da inteligência britânica nos preparativos para a invasão do Iraque foi aquela que previa um agudo aumento do terrorismo "tendo a Grã-Bretanha e os britânicos como alvo". Um comité da Câmara dos Comuns verificou então esta advertência. Tivesse Blair prestado atenção ao invés de conspirar para enganar a nação afirmando que o Iraque apresentava uma ameaça os londrinos que morreram na quinta-feira poderia hoje estar vivos, assim como dezenas de milhares de iraquianos inocentes. Três semanas atrás, um relatório classificado da CIA revelou que a invasão anglo-americana do Iraque havia transformado aquele país num ponto focal de terrorismo. Nenhuma das agências de inteligência encarava o Iraque como ponto focal antes da invasão, apesar do regime tirânico. Ao contrário, em 2003 a CIA relatava que o Iraque "não exportava ameaça terrorista para os seus vizinhos" e que Saddam Hussein era "implacavelmente hostil à Al-Qaeda". A invasão de Blair e Bush alterou tudo isto. Ao invadir um país batido e indefeso no coração do mundo islâmico e árabe, a sua aventura tornou-se auto realizável; a irresponsabilidade épica de Balir trouxe os horrores diários da casa iraquiana para a Grã-Bretanha. Durante mais de um ano ele pressionou os britânicos a "mudarem de posição" em relação ao Iraque e na semana passada parecia que os seus mestres da manipulação e a boa fortuna haviam juntado as mãos. O prémio para Londres das Olimpíadas de 2012 criou a ilusão passageira de que tudo estava bem, apesar dos sujos eventos num distante país. Além disso, a reunião do G8 da Escócia e da campanha "Fazer a pobreza passar à História" que a acompanhou e o circo de celebridades servido como uma cobertura temporária para o que é argumentavelmente o maior escândalo político dos tempos modernos: uma invasão ilegal, brutal e covarde concebida em mentiras e que, sob o sistema do direito internacional estabelecido em Nuremberg, representou um "supremo crime de guerra". Ao longo das últimas duas semanas, o contraste entre a cobertura do G8, suas marchas e concertos pop, e um outro evento "global" foi impressionante. O Tribunal Mundial do Iraque, em Istambul, não teve virtualmente nenhuma cobertura, ainda que a evidência que produziu, a mais terrífica até à data, tenha sido o espectro silencioso nas extravaganzas de Geldoff. O tribunal é uma séria investigação pública internacional acerca da invasão e da ocupação, da espécie que os governos não ousam efectuar. Os seus peritos, testemunhas oculares, disse a escritora Arundathi Roy, um dos membros do júri, "demonstram que mesmo aqueles de nós que têm tentado acompanhar a guerra de perto não estão conscientes de uma parte dos horrores que foram desencadeados no Iraque". O depoimento mais chocante foi prestado por Dahr Jamail, um dos melhores repórteres não incorporados (un-embedded) que trabalham no Iraque. Ele descreveu como os hospitais da Faluja assediada foram sujeitos a uma táctica americana de punição colectiva, com US marines a assaltarem equipes do hospital e a impedirem os feridos de entrarem, e atiradores de elite (snipers) americanos a dispararem para as portas e janelas, e remédios e sangue de emergência impedidos de os alcançarem. As crianças, os idosos, foram abatidos em frente às suas famílias, a sangue frio. Imagine por um momento o mesmo aterrador estado de coisas imposto aos hospitais londrinos que receberam as vítimas dos atentados de quinta-feira. Inimaginável? Bem, isto acontece, em nosso nome, pouco importando se a BBC relata isto, o que é rare. Quando alguém perguntará acerca disto numa das "conferências de imprensa" encenadas nas quais Blair permite-se comover perante as câmaras sobre "os nossos valores que sobreviverão aos deles"? Silêncio não é jornalismo. Em Faluja, eles conhecem "os nossos valores" demasiado bem. Enquanto os dois homens responsáveis pela carnificina no Iraque, Bush e Blair, estavam lado a lado em Gleneagles, por que não foi feita a conexão da sua fraudulenta "guerra ao terror" com o atentado em Londres? E quando alguém na classe política dirá que os fumos-e-espelhos de Blair quanto ao "cancelamento da dívida" na melhor das hipóteses equivale a menos do que o dinheiro que o governo gasta em uma semana a brutalizar o Iraque, onde a violência britânica e americana é a causa da duplicação da pobreza infantil e da desnutrição desde que Saddam Hussein foi derrubado (Unicef). A verdade é que o alívio da dívida que o G8 está a oferecer é letal porque as suas "condicionalidades" brutais de economias cativas ultrapassam quaisquer ténues benefícios. Isto foi tabú durante a semana do G8, cujo tema era não tanto fazer a pobreza passar à história e sim o silenciar e pacificar e cooptar a dissidência e a verdade. As ridículas imagens sobre écrans gigantes atrás de estrelas pop no Hyde Park não incluíam fotos dos médicos iraquianos assassinados com o sangue a jorrar das suas cabeças, cortadas pelos snipers de Bush. A vida real torna-se mais satírica do que a sátira poderia alguma vez ser. Ali estava Bob Geldoff nas primeiras páginas ostentando a sua cara sorridente sobre o ombro do sorridente Blair, o criminoso de guerra e o seu bobo de serviço. Ali estava um heroicamente esboçado Bono, que celebra homens como Jeffrey Sachs como salvadores dos pobres do mundo enquanto louva como "misericordiosa" a "guerra ao terror" de George Bush como um dos maiores feitos da sua geração, e ali estava Paul Wolfowitz, irradiante e prometendo passar a pobreza à história: este é o homem que, antes de ser guindado ao controle do Banco Mundial, era um apologista do regime genocida de Suharto na Indonésia, que foi um dos arquitectos do golpe "neo-con" de Bush e um da festa de sangue no Iraque e da noção de "guerra sem fim". Para os políticos, estrelas pop, líderes da igreja e pessoas polidas que acreditam em Blair e Gordon Brown quando eles declaram a sua "grande cruzada moral" contra a pobreza, o Iraque era um embaraço. A morte de mais de 100 mil iraquianos devido principalmente ao tiroteio e bombas americanas — um número relatado num estudo abrangente e examinado por cientistas antes da publicação (peer-reviewed) em The Lancet — foi eclipsado do debate dos media dominantes. Nas nossas livres sociedades, o imencionável é que "o estado perdeu o juízo e está a punir demasiadas pessoas inocentes", como escreveu outrora Arthur Miller, "e assim a evidência tem de ser negada internamente". Não só negada como tergiversada por toda uma corte: Geldoff, Bono, Madonna, McCartney et alii, cujo "Live 8" foi a antítese total do 15 de Fevereiro de 2003 quando dois milhões de pessoas trouxeram os seus corações e cérebros e mostraram a sua ira nas ruas de Londres. Blair quase certamente utilizará a atrocidade da semana passada e a tragédia para novo empobrecimento dos direitos humanos básicos na Grã-Bretanha, tal como Bush o faz na América. O objectivo não é segurança, mas maior controle. Acima de tudo isto, a memória das suas vítimas no Iraque, das "nossas" vítimas, exige o retorno da nossa ira. E nada menos é devido àqueles que morreram e sofreram em Londres na semana passada, desnecessariamente. O original encontra-se em http://www.truthout.org/index.htm Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .